Páginas

3 de jul. de 2018

A calçada, a fama e o coração.

As calçadas me  parecem frias e injustas, talvez pela minha existência, que caminhou  mais pelas  esburacadas e cheias de armadilhas para os desatentos.
Calçadas ornadas com bitucas, chicletes, papéis...Pedintes que rogam a nossa caridade oculta com  olhares vazios, próprios dos desalentados.
Calçadas onde gentes se trombam, não se olham, só seguem seus caminhos planejados na correria do dia.
Em pleno alvoroço do horário de almoço no centro de São Paulo, pela rua XV de Novembro eu caminhava como mais uma formiguinha, não tão apressada, com joelhos gastos o ritmo é suave.

O som da música dele foi chegando aos poucos aos meus ouvidos.

Percorri com os olhos, o movimento dos camelôs para ver de onde vinha o som fantástico de guitarra que me atraia, talvez um vendedor de CDs gravados...Nada.
Continuei o caminho em direção à Praça Antonio Prado guiada pelo som. 

E lá estava ele, no meio da roda de pedestres que paravam para ouvi-lo, o cantor da linda voz que cantava um clássico do rock e dedilhava a guitarra com maestria.


E assim me encantei com esse artista, fiquei ali embriagada vendo aquele show ao vivo em pleno coração da cidade. 
Deixei dentro de minhas pequenas possibilidades uma pequena quantia na caixa e fui embora deixando para trás aquele momento tão precioso. Foi um privilégio do acaso.
Não perguntei seu nome.

Mais de um ano se passou e sempre pensava naquele artista de rua e em como era possível um cantor tão bom não estar tendo a chance de mostrar para o mundo toda sua potência. Como queria encontrá-lo novamente!

E o encontrei em março de 2017, dessa vez soube que era o William Lee, assisti extasiada sua apresentação, comprei o CD, vi todos seus vídeos no Youtube...Tornei-me fã do cara que representava todos os astros do rock que amava e nunca tive acesso aos shows.

A calçada nem sempre é justa ou traz fama e reconhecimento justo, mas pode ser o palco e a plateia de muita gente boa, gente de bem e competente.


Pouco tempo depois ele faleceu depois de muita luta, aliás uma vida de muita luta desde sempre, soube depois.

Senti tanto, como se fosse meu ídolo famoso que nunca tive acesso, ele era do povo e feliz com o que fazia com dedicação, competência e amor.

Senti vontade vê-lo uma última vez. Fui ao cemitério naquela tarde fria de inverno, com sol e céu limpo.


Dei adeus a ele e a todos os meus ídolos do rock que se foram e não me despedi.


Fora do velório, no banco  alguém desenhara com sementes talvez, caídas das árvores...O formato era de coração, cheio de possíveis simbolismos, meus olhos se encheram de lágrimas, desisti de sentar, fiquei em pé mesmo vendo o entra e sai de amigos e familiares que se despediam.


A moça bonita chorou copiosamente diante do querido que partira.

Veio para fora, alguém a amparava. Olhou para o coração no banco e gentilmente o desfez entre lágrimas e o consolo amigo.

Fiquei ali sozinha no velório enquanto as pessoas o acompanhavam à última morada de seu corpo. Era um momento  íntimo demais para um estranho acompanhar.

Adeus William Lee, você sempre será um sucesso!

Ao sair passei pelo banco e vendo as sementes secas espalhadas pelo banco e chão, refiz o coração.

O vento eu sabia, iria desfazer.

As calçadas ficaram mais vazias, mas o som de sua voz e guitarra ainda ecoam como respostas balançando ao vento como disse Bob Dylan.

Dalva Rodrigues
03/07/2018






9 comentários:

  1. Que lindo e emocionante teu texto,Dalva!
    As calcadas podem ter de tudo e que bom q uando nelas coisas assim legais vemos.
    Bom que reencontraste o moço e pena erle se foi...Ficara na lembrança!
    Bjs tudo de bom😗chica

    ResponderExcluir
  2. Que linda homenagem Dalva...


    Beijos
    Ani

    ResponderExcluir
  3. Eu já imagino quantos fãs ele já teria
    feito com sua guitarra e a voz. Também
    fico pensando no estado que vocês ficou
    com tudo isso. Infelizmente o som que
    você nos deixa ouvir, pelo menos para mim,
    não é lá essas coisas, mas deu para sen-
    tir a emoção que ele passava. Agora
    você vê, Dalva. Quantas histórias
    existem em quem passam pelas cal-
    çadas, esburacadas ou de pedras por-
    tuguesas, e a gente não sabe. Um
    cantante com seu instrumento falando ao co-
    ração daqueles que perderam seu amor ou fa-
    lando ao coração de quem ama e tem saudade do
    amor distante, não conta a sua própria tristeza
    e se a gente não procurar não sabe o por
    quê de tanta emoção no que toca e canta.
    Coisas dá vida. Coisas da morte. Coisas de gente
    que faz da calçada o seu próprio caminho.
    MOÇA ESTOU TE SEGUINDO E VOCÊ, VAI
    ME GUIR, TAMBÉM?


    Beijos.

    .

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Será que não foi EM PARTE inconveniente este comentário, nesta situação?

      Excluir
  4. Oi, Dalva!

    Grata por sua vista e votos sinceros lá deixados. estou um pouquinho melhor das mãos sim, mas nada k dê para grandes voos.

    Teu texto está MAGNÍFICO E EMOCIONANTE. Te entendo, perfeitamente, mas a vida tem dessas coisas.

    Beijos e bfds.

    ResponderExcluir
  5. Eu gosto muito de ler os comentários nos blogs que visito. E acho bem bacana quando os blogueiros e blogueiras respondem ao comentários dos amigos. É uma dica que me passaram um dia, quem sabe você pensa nisso.
    Feliz dia, Dalva!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Então Anônimo...Também acho legal, mas cada vez que a gente mesmo acessa para responder é contabilizado como visualização, como comentário...Também fico pensando que a maioria das pessoas não voltam na mesma postagem...Antes dava para responder pela notificação do e-mail (respondi muitos assim), mas agora desativaram a notificação.
      O blogger é uma plataforma bacana, mas fica faltando esse elo, nem que fosse um like, porque talvez as pessoas (eu ás vezes acho) que não leram meu comentário, desestimula comentários futuros...
      Obrigada pelo toque.

      Excluir
    2. Oi, Dalva! Li esse comentário e informo, caso você ainda não saiba que tem a opção, " CONFIGURAÇÕES DE VISUALIZAÇÕES". Lá vc pode optar em rastrear ou não as suas visualizações. Fica em, Visão Geral.
      Espero ter ajudado. Todo dia você tem que atualizar se quer ou não...

      Excluir
  6. Hoje, passeando pelo blog eu quis ler os contos. Gosto de contos, principalmente, contos curtos e bem escritos.
    Confesso que me envolvi na situação, no velório, na descrição do seu envolvimento com o "outro"; coisa rara.
    Não conhecia o cantor e gostei da voz dele, que pena que as calçadas de Sampa ficaram mais tristes ainda, sem a voz de quem alegrava os passantes e os que ali interrompiam suas rotinas pra ouvir esse som, que certamente coloria um pouco as tristes calçadas.
    Que esteja ele cantando em coro lá no céu...
    Bjs

    ResponderExcluir